Falsear a realidade
O eleitor não deve viver a desilusão do resultado da campanha eleitoral, da derrota, como se fosse uma brincadeira de aposta com amigo. Cada um contribui com seu voto, e todos têm de entender que esta relação com o processo eleitoral não depende única e exclusivamente de seu voto, mas do eleitorado como um todo, que vai qualificar um vencedor.
A democracia não evolui por força das modas, dos nossos desejos, mas pela vontade da maioria. É muito fácil se dizer democrático quando estamos em situação privilegiada na sociedade, no ponto de fala do “faça o que” mando e quem está abaixo tem de obedecer.
Nunca é tarde para lembrar que o poder pelo poder tem a capacidade de triunfar sobre os inimigos, mirar a possibilidade de conquista de outros territórios. Já a democracia, que toma o poder emprestado, precisa trazer consigo a liberdade, a oposição, os desafios, a construção, mesmo que utópica, de um futuro diferente daquele que se desenha de momento.
A revolução não pode ser uma contradição. Ela tem de vir marcada por sonhos, desejos de mudança, para que se abra espaço a outras ideias, a forças que tenham outras realizações. Ela é o penhor de um compromisso.
No jogo democrático, reconhecer a derrota não é humilhação a ninguém, mas entender que existem outras ideias que, de momento, foram consagradas. O desejo da maioria tem de prevalecer.
No marketing entendemos isso como algo natural, pois a gente sabe que o eleitor vota de acordo com a avaliação de governo, pela autenticidade, carga emocional envolvida na campanha, reage aos usos simbólicos, aos compromissos assumidos, ao perigo que determinada força pode representar, à presença na vida cotidiana das pessoas, e outros signos envolvidos que vão muito além de manobras estratégicas.
Esta eleição mostrou não só a divisão de votos, mas também a refutação das "embalagens" ou rótulos. O desejo de felicidade superou qualquer estratégia de colar ao outro algo que diminuísse sua estatura, a qualquer um dos concorrentes. O domínio sobre cada grupo de eleitor foi exercido pela fascinação que suas aparências se mostraram midiatizadas ao longo da campanha.
Quem deixa o poder deixa também o mundo das aparências. Não apenas o derrotado tem de entender isso, mas também a sociedade, que muitas vezes toma emprestada a ideia pessoal de que a luta, as demandas, sejam suas.
Não podemos deixar que nossa consciência seja reduzida ao desejo de poder do outro, seja de qual grupo for. A ideia golpista ou o não reconhecimento da vitória aponta para a necessidade de falsificar a realidade.
Por fim, vejo que a obediência integral a alguém é uma relação de escravidão, pois enquanto muita gente protestava nas estradas, sob chuva e frio, as figuras políticas de dominação permaneciam no conforto de seus lares sob o efeito da expectativa de que a maioria da sociedade forçasse um golpe. O caminho não é esse, mas o jogo continua. A estratégia precisa mudar.